quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Seu nome é Guaraciaba, mas eu a chamo de vó.

   
   Dona Ciaba adora cozinhar, e foram suas mãos que fizeram os melhores doces que eu já comi. Ensinou o ofício às filhas, e eu, que sou neta, passei a infância bisbilhotando na cozinha, querendo aprender. 
   A televisão também é sua amiga de tempos, ela adora Ana Maria Braga, é fã de uma boa novela e dia desses me contou que está adorando Velho Chico. Disse que o cenário de época é muito bonito e a história é ótima. Nunca vi nenhum episódio, mas acredito nela, e tenho certeza que seus anos como fã e espectadora fiel dessas dramaturgias a deram muito mais conhecimento sobre quais são as melhores histórias do que qualquer uma das minhas aulas da faculdade.
   Também gosta muito de decorar, e acredito que isso eu peguei um pouco dela. Está sempre mudando os móveis de lugar, nunca teve medo de mexer, remexer e reinventar a própria casa com aquilo que já estava ali. Isso me ensinou muito sobre casas, e sobre o coração também. Talvez a gente não precise de outras coisas e sentimentos, e trocar a ordem em que eles estão façam uma diferença enorme.
   Fim de semana passado eu fui visitá-la, e ela me apresentou ao seu jardim, no qual cultiva flores lindas. Tem orquídea, romã e outras flores que meu pífio conhecimento sobre plantas não me deixa nem saber nomear. Mas dá pra ver que são todas muito bem cuidadas, com todo o seu carinho. E eu achei tão bonito, que até me repreendi por não ter carregado a bateria da câmera na noite anterior pra tentar fazer algumas fotos. Consegui tirar algumas do meu celular, mas não acho que nenhuma foto faria jus a experiência de conhecer ao vivo, escutando aquilo ela dizia enquanto me mostrava.
   Dona Ciaba é dona de muitas outras histórias, habilidades, sentimentos e vivências. Algumas delas eu ainda não tive a oportunidade de escutar, outras o tempo apagou da minha memória, e tem ainda as que eu conheço, mas escolhi guardar pra mim.
Hoje eu acordei com vontade de falar sobre ela, e de como é bom vê-la, ainda que as visitas sejam mais breves agora. Nem mesmo a distância  e os contratempos me fizeram parar de admira-la, e acho que vou carregar esse sentimento bom sempre. Me sinto honrada em conhecê-la, e queria que mais pessoas o fizessem também.


segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Exaustão.

   É pouco mais de meia noite e meia e eu estou exausta. Meu dia começou às cinco da manhã de ontem e parece que não vai acabar nunca. Corre pra cá, vai pra lá, veja isso, anota aquilo, marca e desmarca compromissos na agenda. Queria dormir uma horinha antes da próxima ocupação, mas não dá tempo. Corre mais um pouco então, que se seu dia rende logo, você pode deitar mais cedo à noite. 
   Mera ilusão. Meia noite e meia e eu continuo aqui. Na teoria, as tarefas que cabiam a mim executar hoje já foram realizadas, mas aí, ao deitar na cama e deixar os olhos se fecharem, a mente chama: não, não, querida, você ainda tem coisas pra resolver! Sabe aquela história mal acabada? Você não acha que devia elaborar um plano pra colocar um ponto final? E aquela frase não dita? A vida é curta, lembra? Você devia abrir essa boca logo, antes que o tempo acabe.
   Tento me concentrar na minha respiração, mas a rinite ataca e eu começo a espirrar. Presente, passado, futuro, ATCHIM! Eu só queria descansar por algumas malditas horas, será que é pedir muito?
   O tempo continua passando, as lembranças e os anseios se aproximam mais e mais. Começo a pensar em tudo e sinto vontade de gritar.
   AS PESSOAS NÃO SÃO BRINQUEDOS e é muita ousadia da nossa parte tentar transformá-las em marionetes até cansar da brincadeira e jogar de lado em seguida.
   IMPÔR A SUA OPINIÃO NÃO VAI FAZER NINGUÉM QUESTIONAR PORRA NENHUMA, acho que vou tatuar isso na minha testa, e nas de alguns conhecidos que também não conseguiram aprender isso ainda. Quem sabe assim a gente entende?
   SE EXISTEM TANTAS FORMAS DIFERENTES DE VIVER, PORQUE A GENTE NÃO SE PERMITE EXPERIMENTA-LAS? POR QUE A GENTE PASSA TANTO TEMPO JULGANDO, CRITICANDO E MENOSPREZANDO AS ESCOLHAS DOS OUTROS SE NÃO DIZ RESPEITO À NOSSA MALDITA VIDA? E aliás, por falar em vida, quando a minha, a tua, a do Eduardo Cunha, Dilma, Aécio, e até a do Papa acabarem, nós vamos todos pro mesmo lugar. Da terra viemos, pra terra voltaremos, e juntos, seremos todos pó, então porque a gente não para e se deixa? Por que o meu nariz não para de escorrer? Por que eu não fecho meus malditos olhos e adormeço?


terça-feira, 6 de setembro de 2016

O Absurdo Relato de Corpos Exaustos.

Mariana acorda às seis pra ir pra aula às sete e estuda até às dezoito. Em seguida corre pra casa, toma um banho rápido e às vezes não dá nem pra jantar: precisa ir pro trabalho, que é onde ela fica até às onze. Volta pra casa um caco e antes de se jogar na cama, ainda precisa tirar forças pra encher o estômago vazio e tomar um segundo banho. Completo o ritual, se deita, por volta da uma e meia da manhã, e adormece.
Julio também acorda cedo. Oito da manhã. Da faculdade, pro estágio, e de lá pra reuniões de trabalhos independentes. Chega em casa por volta da meia noite. Diferente de Mariana, ele nem come, dorme sem pensar. O garoto, de dezenove anos, ainda é sustentado pelos pais. Apesar do trabalho contínuo, ainda está naquela fase de ganhar em experiência. Pra depois, se tudo der certo, aí sim, conseguir ganhar algum dinheiro.
Pra ajudar nas contas de casa, Mariana vende cosméticos nas poucas horas vagas. Julio conserta objetos quebrados pra ganhar alguns trocados. 
O dinheiro é pouco, mas é suficiente pra uma festinha ou outra no fim de semana. Uma roupinha nova vez por outra. Sabe como é...
"Sei?" Indaga Geraldo, nos seus trinta e poucos anos e olhar desconfiado. Indaga que com a idade dos garotos já era assalariado, trabalhava dia e noite, e quase não tinha tempo pra dormir, pois a junção da faculdade não deixava. Geraldo exibe o sono perdido, os fins de semana trancado numa sala fechada em frente a um computador, e a falta de tempo pra pensar em namoradas ou ao menos ver um filme no cinema. É seu troféu. Pagou as próprias contas com seu próprio suor e sangue, enquanto os estudantes se dão ao luxo de conseguir dormir de quatro a cinco horas por noite e -veja que absurdo! - juntar alguns trocados pra se divertir! E enquanto isso, seus pais são escravizados em trabalhos cansativos e extremamente mal remunerados pra sustentar os filhos, sem ter um centavo a mais pra gastar. Um segundo a mais pra viver pra si.
E eles, eles sim são os corretos. Assim como Geraldo, abriram mão da própria vida pelo bem de sua integridade. Da boa fama, da admiração dos invejosos, que trabalham tantas horas quanto eles e conseguem ganhar ainda menos. Dos aplausos de seus contratadores, que aprovam o esforço, apesar de quase nunca oferecerem algum reconhecimento.
Mariana vive cansada, pois não tem mais tempo pra nada, mas não pode reclamar, afinal, ela faz tão pouco. Ela tem comida na mesa, ajuda os pais a pagar as contas, e ainda se dá o privilégio de gastar o pouco dinheiro que lhe resta com futilidades. Absurdo! Julio passa o dia todo tentando omitir a inferioridade que sente por ser sustentado pelos pais, que trabalham feito burros de carga, enquanto ele se dá ao luxo de não fazer nada além de estudar, estagiar, realizar trabalhos por fora da faculdade, sem receber nenhum tostão por isso e ainda se permitir gastar o pouco que arrecada com seu pequeno ofício de consertar coisas tomado uma cerveja no fim de semana. Absurdo!
Bem que Geraldo disse! Os jovens de hoje folgam de mais , fazem de menos, e ainda querem o direito de poder viver um pouco! É absurdo! 
Antigamente o dinheiro tinha mais valor que o ser humano!