terça-feira, 1 de novembro de 2011

Dorme, anjo.



O dia estava claro e limpo. Decidira então colocar sua velha cadeira de balanço no quintal e admirar o céu. Sentou-se, por fim, e pôs-se a imaginar histórias de acordo com os formatos que as nuvens tinham… Até, cansada, adormecer.
(…)
Pouco após pegar no sono acabou acordando ao sentir um toque trêmulo e gelado em seu peito. Abriu os olhos devagar e se deparou com uma criança que - surpresa por tê-la acordado - afastou-se assustada. Endireitou-se então na cadeira, sem entender quem era aquela criança, e o que estava fazendo ali. Mas antes de pensar em perguntar alguma coisa, a criança se manifestou.
- Porque você é sempre tão fria? - Perguntou a criancinha, ainda aparentando estar assustada. 
- Como é? Fria? Eu não sou fria! Quem é você? O que estava fazendo com a mão no meu peito?
- Claro que é! Você é sempre seca, irônica, mal humorada… E tem mais, há muito tempo que não te vejo sorrir! 
- O que? É claro que eu sorrio! Eu ando sempre rindo e sorrindo por aí!
- Sim, você sorri. Mas por mais que seus sorrisos pareçam alegres, dá pra ver nos seus olhos que é tudo mentira, e que falta felicidade! Porque você é tão infeliz?
- Ainda existem pessoas felizes?
- Você acha que não?
- Quem é você, afinal, e porque pôs a mão sobre meu peito? - Ela já estava indignada com aquela criança tão insolente acusando-a.
- Você não sabe mesmo quem sou eu? Olhe bem para mim, veja se não me reconhece! Sou você dez anos mais nova! Sou a época na qual você sorria de verdade e era feliz! - Só então que ela foi reparar que aquela criança realmente se parecia muito com ela durante sua infância. Chocou-se mais ainda.
- E o que está fazendo aqui? O que quer?
- Eu vim ver como eu seria no futuro, e confesso que estou preocupada! O que me aconteceu, pra que eu acabasse como você? - Ela então suspirou.
- A realidade. Na sua época, nada era real, tudo era fantasia. Quando as paredes que te mantinham longe da realidade caíram, você conheceu o mundo e toda a maldade que existe nele… E eu sou o que sobrou disso tudo! Mas não sou tão ruim assim, você acha?
- Olha, eu não sei o que tudo isso significa.. Eu sei que ao te ver assim tão fria, tive que colocar a mão sobre o seu peito, pra sentir seu coração. Eu queria saber se ele ainda pulsava, porque se pulsar, ainda podem ter sentimentos nele! Você ainda tem sentimentos?
- Olha, pequena… No mundo onde eu vivo, sentimentos não tem bom uso. Eles fazem com que você se machuque muito, então você não pode demonstrá-los. Você pode até mantê-los, como eu mantive os meus, mas em um lugar bem escondido, onde eles não possam se manifestar…
- E pra que isso? 
- Pra sobreviver.
Então ela viu a imagem de sua infância afastando-se ao poucos, até não sobrar nada. Sentiu-se ainda mais confusa, quis chorar, mas ao dar-se por si, percebeu que era apenas um sonho. Um sonho meio triste, mas só um sonho. Continuou a observar as nuvens então, aproveitando o resto de fuga que lhe restava.

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